Informações técnicas sobre o herbicida Glifosato
HISTÓRICO DO PRODUTO:
O glifosato, N-(fosfonometil) glicina, é um herbicida sistêmico e não seletivo que está registrado no Brasil desde o final da década de 70 e é utilizado para controlar plantas daninhas em vários ambientes, culturas e usos não agrícolas como acostamento de estradas de rodagem e ferrovias, controle de vegetação em baixo de linhas de transmissão, etc. Assim, os herbicidas à base de glifosato têm sido utilizados na agricultura mundial há mais de 30 anos e na brasileira há mais de 25 anos, onde começou a ser utilizado em 1978 e posteriormente produzido em 1984. O glifosato foi extensivamente avaliado em estudos de toxicidade para mamíf eros, ecotoxicidade e destino ambiental para dar suporte aos registros desse herbicida em vários países. Esse princípio ativo foi também investigado cientificamente por pesquisadores independentes para considerações no âmbito da sua regulamentação. A conclusão unânime das principais agências regulatórias de vários países e de especialistas da área é que o uso comercial de glifosato não representa risco para o meio ambiente ou para humanos e animais quando utilizado de acordo com o registro de uso e as recomendações contidas na bula e no rótulo do produto ( Agriculture Canadá, 1991; US EPA, 1993; WHO 1994; FAO/WHO 2004, Giesy et al., 2000; Grossbard e Atkinson, 1985; Franz et al., 1997; Malik et al., 1989 ). Atualmente, o produto está registrado em mais de 130 países para uso em diferentes ambientes agrícolas e não-agrícolas, e representa uma das melhores relações custo / benefício para o produtor rural, quando comparado aos outros métodos de controle de plantas daninhas. No Brasil, o ingrediente ativo glifosato, as formulações contendo este ingrediente e as recomendações de uso foram avaliadas e aprovadas para uso comercial pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA - Ministério do Meio Ambiente) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA - Ministério da Saúde).
CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS:
O glifosato é um ácido, mas é aplicado nas lavouras na forma de sal (sal de isopropilamina, amônio, potássio). As formulações de glifosato são geralmente comercializadas como concentrados solúveis em água ou como granulados dispersáveis em água. O mecanismo de ação do glifosato está bem entendido e documentado: ele inibe a enzima EPSPS (5-enolpiruvato-chiquimato-3-fosfato sintase) da via metabólica do ácido chiquímico, impedindo a síntese de determinados aminoácidos essenciais ao crescimento das plantas (Malik et al., 1989; Franz et al., 1997). A via biossintética do ácido chiquímico não ocorre em animais, sendo que para eles a fonte dos aminoácidos essenciais em questão (tirosina, triptofano e fenilalanina) provém da ingestão de vegetais na sua dieta. A ausência da via de atuação do glifosato em animais e humanos é considerada um dos fatores que conferem a este princípio ativo um perfil toxicológico favorável quando comparado a outros princípios ativos. A s propriedades do glifosato que lhe conferem uma maior segurança ambiental em relação a outros herbicidas são: biodegradação microbiana em solo e água; forte ligação à maioria dos tipos de solo, principalmente aqueles ricos em argila, o que lhe confere baixa mobilidade no solo e reduz sua lixiviação; alta solubilidade em água e volatilidade muito baixa; além de ausência de bioacumulação nos tecidos de animais terrestres e aquáticos. Além dessas características, o fato de o glifosato ser um herbicida de amplo espectro de controle promove a redução do uso de vários herbicidas de perfis ambientais distintos. A diversidade de uso do glifosato é uma das principais características desta molécula. Introduzida no Brasil no final da década de 70 como um herbicida para controle de plantas daninhas perenes na cultura do café e citrus, essa molécula teve seu uso difundido para 26 culturas devido à sua eficiência e excelentes benefícios econômicos. Hoje o produto está registrado para as seguintes culturas: algodão, ameixa, arroz, aveia preta e azevém (dessecação), banana, cacau, café, cana-de-açúcar, citrus, coco, eucalipto, feijão, fumo, maçã, mamão, milho, nectarina, pastagens, pêra, pêssego, pinus, seringueira, soja, trigo e uva. O glifosato tem uso aprovado para aplicação em pré-plantio das culturas, pós-emergência da soja Roundup Ready ®, pré-colheita da soja, áreas de pousio, maturador da cana-de-açúcar, eliminação da soqueira da cana-de-açúcar, jato dirigido nas entrelinhas de culturas perenes, dentre outras.
IMPORTÂNCIA AGRÍCOLA E AMBIENTAL:
Outro aspecto importante do glifosato é que este herbicida é um dos principais responsáveis pela viabilização e pelo crescimento da área com Plantio Direto no mundo e, em especial, no Brasil, o que tem um apelo ambiental muito grande não apenas pelo perfil de segurança do glifosato, mencionado acima, mas também por todos os benefícios advindos do uso dessa prática conservacionista de manejo de solo. O Plantio Direto é um sistema de produção agrícola essencial para o uso sustentável do solo, pois reduz ou elimina os problemas de erosão e empobrecimento de sua fertilidade. Esse sistema de plantio reúne um conjunto de técnicas que visam diminuir a excessiva movimentação que ocorre nos sistemas de plantio convencionais e que tem impacto direto sobre a qualidade do solo. Através desta prática, a semeadura é feita diretamente no solo não preparado, num sulco de largura e profundidade suficientes apenas para cobrir a semente. Como o Plantio Direto é técnica e economicamente inviável se as plantas daninhas e os restos culturais da rotação de culturas não forem adequadamente controlados através de herbicidas, o glifosato tem proporcionado uma situação favorável à maior adoção desse sistema de plantio e é o produto mais utilizado na dessecação dos restos culturais deixados no campo como cobertura vegetal. A decomposição das plantas daninhas e dos restos culturais mantidos sobre o solo após a colheita aumenta a quantidade de matéria orgânica do solo, o que é fundamental para a melhoria do seu potencial produtivo. O glifosato proporciona a formação dessa cobertura vegetal morta, a qual traz benefícios como: maior produtividade; supressão de plantas daninhas; redução de custos no uso de herbicidas e fertilizantes; redução de gastos com a conservação de solos; maior retenção de água no solo e, portanto, menor estresse hídrico; aumento da reciclagem de nutrientes; maior proteção contra o impacto da chuva e também melhor infiltração da água; melhoria das atividades biológicas do solo; manutenção das populações benéficas que vivem nos solos; menor emissão de CO2 para a atmosfera e conseqüentemente, menor impacto sobre o aquecimento global; etc.
USO EM PÓS-EMERGÊNCIA:
O uso de culturas geneticamente modificadas tolerantes ao glifosato como a soja Roundup Ready ® tem propiciado ao agricultor a possibilidade do uso do glifosato em pós-emergência, uma vez que o herbicida pode ser aplicado sobre a cultura e apenas quando os níveis de infestação por plantas daninhas comprometerem a produtividade da cultura. Além disso, o uso do Sistema Roundup Ready ® também tem proporcionado o aumento da área de Plantio Direto, sendo que os benefícios ambientais foram mencionados no parágrafo anterior. Os benefícios ambientais do Plantio Direto, associados às indicações de uso e ao comportamento ambiental do glifosato, têm feito dessa associação um sucesso em todo o mundo. O glifosato é um produto importante para a garantia da competitividade e da sustentabilidade da agricultura e, portanto, a sua utilização deve ser pautada no respeito ao que estiver registrado e especificado na bula do produto. Os cuidados no uso do glifosato devem sempre considerar as boas práticas agrícolas, que englobam inclusive a prática da rotação de culturas como uma comprovada ferramenta para o manejo de plantas daninhas. Outros pontos que se referem a boas práticas agrícolas são o uso da dose recomendada e na época adequada do plantio. Nessas condições, o uso do glifosato estará sempre de acordo com o que foi aprovado e dentro dos limites de resíduos estabelecidos pelos órgãos competentes.
A QUESTÃO DOS RESÍDUOS:
Resíduos são substâncias toxicologicamente significativas resultantes do uso de pesticidas, que ocorrem em vegetais e / ou produtos de origem vegetal, em concentrações significativas. Os resíduos compreendem o princípio ativo da substância teste e seus metabólitos, quando for o caso (Associação de Analistas de Resíduos de Pesticidas, 2002). Um estudo é composto de um ou mais ensaios conduzidos com a substância teste (agroquímico) para determinar os níveis de resíduo dessa substância. Os ensaios de campo supervisionados para avaliar resíduo devem ser conduzidos os mais próximos possíveis das áreas representativas para a cultura em questão, devendo ser distribuídas de tal maneira que englobem as prováveis condições de uso da substância-teste, como: clima, época do ano, solo, sistema de cultivo, variedades, etc. O número de áreas representativas é variável de acordo com a classe do produto e o modo de aplicação, e é definido em legislação específica publicada pela ANVISA. A condução desses ensaios deve estar de acordo com as Boas Práticas Agrícolas e refletir as recomendações agronômicas de uso constantes na bula do produto em teste. Os ensaios são planejados com base na maior dose recomendada do produto para determinada cultura, no maior número de aplicações recomendado e de acordo com o respectivo intervalo de segurança ou período de carência, qual seja, o intervalo de tempo entre a última aplicação do produto e a colheita da cultura. O uso de uma metodologia analítica para determinação de níveis de resíduos de agroquímicos em alimentos deve ser sempre precedido da verificação de sua aplicabilidade ao objetivo específico. A validação da metodologia proposta permite verificar essa aplicabilidade e somente poderá ser considerada completa quando a conformidade com os parâmetros do método puder ser reproduzida em outro laboratório independente, sem a interferência do laboratório que validou o método inicialmente. Os parâmetros que normalmente são avaliados por um laboratório independente são: especificidade, precisão, exatidão, linearidade e faixa.
Os estudos de resíduo conduzidos com o ingrediente ativo glifosato e seu metabólito AMPA (ácido aminometilfosfônico) resultantes da aplicação de formulações de glifosato em pós-emergência da soja Roundup Ready ® ocorreram em locais representativos de cultivo da soja no Brasil e foram planejados com base nas doses e épocas de aplicação mais restritivas constantes na bula dos produtos. A metodologia analítica utilizada é validada internacionalmente. Com base nestes estudos de resíduo apresentados, a ANVISA publicou a monografia GO1 com o Limite Máximo de Resíduo (LMR) de 10 mg/kg de glifosato na cultura da soja em 2003. Nos Estados Unidos, na União Européia e no Codex Alimentarius o LMR de glifosato estabelecido para a soja é de 20 mg/kg (ANVISA, 2003a). Com relação ao AMPA, o Joint FAO / WHO Meeting on Pesticides Residues (JMPR) que consiste de um grupo de especialistas da FAO e da WHO, organizações reconhecidas internacionalmente, mas que não representam nenhum país em particular, avaliou o perfil toxicológico do glifosato e do AMPA em 1997 e concluiu que ambos possuem perfil toxicológico similar. Além disso, a conclusão em relação ao AMPA foi de que este composto não possui maior preocupação toxicológica que o princípio ativo glifosato. Esta conclusão foi mantida em recente avaliação conjunta do JMPR/WHO realizada em setembro de 2004. Portanto, o JMPR mantém o LMR somente para o glifosato (FAO/WHO, 2004).
Para o cálculo da Ingestão Diária (IDA) Máxima Teórica para o glifosato, a ANVISA utilizou o LMR de 10 mg/kg para a soja somado aos demais LMRs já estabelecidos para as demais culturas constantes na respectiva monografia. A ANVISA dividiu o valor da somatória da ingestão anual per capita (232,714 mg) da população brasileira, com base em dados fornecidos pelo IBGE, por 365 (dias do ano) e comparou o valor obtido com o valor da IDA por pessoa (IDA multiplicada por 60 kg, que é o peso médio de uma pessoa) e concluiu que os LMRs estabelecidos no Brasil para o glifosato não oferecem risco para a saúde da população, uma vez que apenas cerca de 26% da IDA são utilizados (ANVISA, 2003b). Somente após a avaliação de risco da ingestão de alimentos contendo resíduos de glifosato pelos cálculos supra mencionados é que a Gerência Geral de Toxicologia da ANVISA publicou a monografia G01 do glifosato com o LMR de 10 mg/kg na cultura da soja e intervalo de segurança de 56 dias. Se o glifosato for aplicado em conformidade com as recomendações agronômicas de uso aprovadas e contidas na bula do produto e, respeitando-se o respectivo intervalo de segurança de 56 dias, os níveis de resíduo no grão de soja não devem ser superiores a 10 mg/kg.
O valor estabelecido no Brasil representa metade do valor do LMR para o glifosato na cultura da soja, contemplando a modalidade de aplicação em pós-emergência, estabelecidos tanto pelo CODEX Alimentarius da WHO, como pela US EPA, que é de 20,0 ppm ou mg/Kg. Com base no uso correto do herbicida glifosato e de acordo com as recomendações de uso aprovadas que constam no rótulo e bula, o LMR estabelecido no Brasil para a soja é seguro. Além disso, o processamento ou o cozimento da soja para consumo humano e animal reduz a praticamente zero a possibilidade de detecção de resíduos de glifosato e AMPA. Em resumo, adicionalmente ao perfil de segurança do herbicida glifosato, sua utilização em pós-emergência na soja Roundup Ready ® de acordo com o rótulo e bula da formulação assegura que o nível de resíduos do herbicida fique abaixo do LMR estabelecido no Brasil pela ANVISA.
Referências:
Agriculture Canada. 1991. Pre-harvest use of glyphosate herbicide. Discussion document. Pesticides Directorate, Ottawa, Ontario.
ANVISA. 2003a. Monografia GO1 Glifosato da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Disponível em: www.anvisa.gov.br
ANVISA. 2003b. Esclarecimentos sobre a Consulta Pública n. 84/03; Gerência Geral de Toxicologia, ANVISA, Ministério da Saúde, 4.12.2003.
Associação de Analistas de Resíduos de Pesticidas. 2002. Manual de Critérios Mínimos para a Condução de Estudos de Resíduos, GARP - Associação de Analistas de Resíduos de Pesticidas, Julho/2002.
FAO/WHO. 2004. R eport of the Joint Meeting of the FAO Panel of Experts on Pesticide Residues in Food and the Environment and the WHO Core Assessment Group on Pesticide Residues, FAO Plant Production and Protection Paper 178, Rome, Italy, September 2004.
Franz, J.E.; Mao, M.K.; Sikorski, J.A. 1997. Glyphosate: a unique global herbicide. ACS Monograph 189, American Chemical Society, Washington, DC. pp 163-175.
Giesy, J.P.; Dobson, S.; Solomon, K.R. 2000. Ecotoxicological risk assessment for Roundup ® herbicide. Reviews of Environmental Contamination and Toxicology. 167: 35-120.
Grossbard. E.; Atkinson, D. (eds). 1985. The Herbicide Glyphosate. Butterworths, London.
Malik, J.; Barry, G.; Kishore, G. 1989. The herbicide glyphosate. Biofactors 2(1): 17-25.
US EPA. 1993a. Reregistration eligibility decision-(RED): glyphosate. Office of Prevention, Pesticides and Toxic Substances - US Environmental Protection Agency, Washington, DC.
WHO. 1994. Glyphosate: environmental health criteria 159. World Health Organization. Geneva, Switzerland.
Fonte: Eng. Agr. MSc. Dorival Vicente